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A Órbita da Soberania: Por que o Brasil quer seu próprio GPS e o que isso significa para o futuro do país

Uma nação com as dimensões continentais e a projeção global do Brasil pode se dar ao luxo de depender de uma tecnologia estrangeira para o seu posicionamento, navegação e tempo? A resposta, cada vez mais contundente nos corredores de Brasília, é "não". O governo brasileiro deu um passo histórico e silencioso, mas de consequências estrondosas, ao instituir um grupo de trabalho para estudar a viabilidade de um sistema próprio de navegação por satélite. A iniciativa, formalizada pela Resolução nº 33 do Comitê de Desenvolvimento do Programa Espacial Brasileiro (CDPEB), não é apenas um projeto tecnológico; é a mais clara declaração de busca por soberania estratégica do Brasil no século XXI.


Acostumamo-nos a chamar de "GPS" qualquer sistema que nos diz onde estamos. Contudo, o Global Positioning System (GPS) é uma constelação de satélites de propriedade e operação do governo dos Estados Unidos, mais especificamente, da sua Força Espacial. Seu uso civil, gratuito e global, foi uma das maiores dádivas tecnológicas da história, revolucionando a logística, o agronegócio, os transportes e a vida cotidiana. No entanto, essa dependência embute uma vulnerabilidade crítica: o sinal pode, em teoria, ser degradado ou negado a um adversário em tempos de crise.

É neste cenário de um tabuleiro geopolítico cada vez mais complexo que a iniciativa brasileira deve ser compreendida. Não se trata de uma reação a uma ameaça iminente, mas sim de um movimento proativo, alinhado ao que as grandes potências globais já fizeram. A Europa tem o seu sistema Galileo, a Rússia opera o GLONASS e a China consolidou o BeiDou. Todas essas nações entenderam que o controle sobre a informação geoespacial é um pilar da soberania nacional, tão vital quanto o controle de suas fronteiras terrestres, marítimas e aéreas.

O Imperativo Estratégico: Da Defesa à Agricultura de Precisão

A Estratégia Nacional de Defesa do Brasil é explícita ao determinar a necessidade de desenvolver "tecnologias de monitoramento terrestre, marítimo, aéreo e espacial que estejam sob inteiro e incondicional domínio nacional". Um sistema de navegação próprio é a espinha dorsal para essa ambição. Ele permitiria às Forças Armadas uma autonomia sem precedentes na navegação de veículos, no guiamento de precisão de armamentos e na coordenação de operações complexas, sem o risco de interferência externa.

Contudo, o impacto transcende, e muito, a esfera militar. O Brasil, como potência agrícola, já é um dos maiores usuários de tecnologias de geoposicionamento. A agricultura de precisão, que depende de sinais de satélite para guiar tratores, otimizar o plantio e a aplicação de insumos, veria um salto de confiabilidade e precisão. Um estudo da consultoria interna do Senado Federal já apontava que a indisponibilidade do sinal de GPS poderia gerar perdas bilionárias para o agronegócio nacional. Ter um sistema próprio, possivelmente com tecnologias de aumento que melhorem a precisão em território nacional, seria um diferencial competitivo inestimável.

Da mesma forma, setores como logística, aviação civil, mineração, monitoramento de desastres ambientais e até mesmo a sincronização de redes de energia e telecomunicações se beneficiariam de um serviço robusto e soberano.

Os Desafios na Rota para o Espaço: Custo, Tecnologia e Vontade Política

A jornada para colocar um "GPS brasileiro" em órbita é, sem dúvida, um dos maiores desafios tecnológicos e financeiros que o país já considerou. Estamos falando de um projeto de décadas, com custos que podem facilmente superar os US$ 10 bilhões, um investimento que anularia o orçamento atual do Programa Espacial Brasileiro por muitos anos.

O desafio técnico é monumental. Envolve o domínio do ciclo completo da tecnologia espacial: desde o design e a fabricação de satélites equipados com relógios atômicos de altíssima precisão, passando pelo desenvolvimento do complexo segmento de solo que controla a constelação e processa os sinais, até, crucialmente, a capacidade de lançar esses satélites. A consolidação do Centro Espacial de Alcântara (CEA) como um espaçoporto competitivo é, portanto, uma peça-chave neste quebra-cabeça.

A decisão estratégica inicial será entre um sistema de cobertura regional ou global. Um sistema regional, focado no Brasil e na América do Sul, exigiria menos satélites – talvez entre 8 a 12, dependendo da arquitetura orbital escolhida – e teria um custo menor. Seria um passo pragmático, similar ao adotado inicialmente pela Índia (com o NavIC) e pelo Japão (com o QZSS). Um sistema global, com 24 a 30 satélites, colocaria o Brasil em um seleto clube de potências, mas a um custo e complexidade muito maiores.

O caminho, no entanto, não precisa ser solitário. A cooperação internacional, especialmente com parceiros sul-americanos e do BRICS, pode ser uma alternativa viável para dividir custos e compartilhar tecnologia, criando uma solução que reforce a autonomia de todo um bloco geopolítico.


As Lições de Galileo e BeiDou

O Brasil pode aprender com as experiências de quem já trilhou este caminho. O sistema europeu Galileo, embora um sucesso técnico, enfrentou enormes desafios políticos e atrasos devido à necessidade de coordenação entre múltiplos países. A China, por sua vez, demonstrou uma vontade política férrea com o BeiDou, tratando-o como um projeto de Estado inegociável e superando obstáculos tecnológicos com investimentos maciços e um planejamento centralizado de longo prazo. A lição é clara: um projeto desta magnitude exige, acima de tudo, uma visão estratégica de Estado que transcenda governos e crises fiscais.

Um Passo Rumo ao Futuro

A criação de um grupo de trabalho é apenas o primeiro passo. O relatório que será apresentado em 180 dias será um diagnóstico crucial sobre a ambição brasileira. A decisão de avançar, mesmo que de forma gradual, iniciando talvez com um sistema regional, representará um ponto de inflexão para o Programa Espacial Brasileiro e para a própria percepção do Brasil sobre seu lugar no mundo.

Não se trata apenas de satélites e sinais. Trata-se de autonomia para guiar o próprio destino, de ter o controle sobre a infraestrutura crítica que impulsionará a economia e a segurança do futuro. Ao olhar para os céus, o Brasil não busca apenas se localizar no mapa; busca definir sua própria órbita no cenário global.

Referências

* Agência Brasil. (2025, 22 de julho). Governo avalia viabilidade de o Brasil criar seu próprio GPS. Agência Brasil. Recuperado de https://agenciabrasil.ebc.com.br

* Brasil de Fato. (2025, 23 de julho). Brasil avança para criar seu próprio GPS e reduzir dependência dos EUA. Brasil de Fato. Recuperado de https://www.brasildefato.com.br

* Brasil. (2008). Decreto nº 6.703, de 18 de dezembro de 2008. Aprova a Estratégia Nacional de Defesa. Diário Oficial da União.

* Click Petróleo e Gás. (2025, 19 de julho). If GPS were turned off in Brazil — the impacts would be profound, both for users and businesses. Click Petróleo e Gás. Recuperado de https://en.clickpetroleoegas.com.br

* Comitê de Desenvolvimento do Programa Espacial Brasileiro (CDPEB). (2025). Resolução nº 33. Gabinete de Segurança Institucional.

* InfoMoney. (2024, 6 de abril). BDS, Galileo, Glonass: conheça as alternativas ao GPS em caso de colapso do sistema. InfoMoney. Recuperado de https://www.infomoney.com.br

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