Agora

6/recent/ticker-posts

Leia mais...

🪐 Destaques

Sob a Floresta, um Oceano: A Descoberta do Maior Aquífero do Planeta

A Bacia Amazônica, com sua biodiversidade exuberante e o maior rio do mundo em volume d'água, sempre foi sinônimo de superlativos. O que não sabíamos, até recentemente, é que sob essa vastidão verde se esconde um gigante ainda mais impressionante: um oceano subterrâneo de água doce. Batizado de Sistema Aquífero Grande Amazônia (SAGA), esta descoberta monumental, confirmada por cientistas brasileiros, reposiciona o Brasil como a maior potência hídrica do planeta e nos impõe uma responsabilidade de gestão sem precedentes.



Estudos liderados por pesquisadores da Universidade Federal do Pará (UFPA) revelaram uma reserva hídrica com um volume estimado em mais de 160 mil quilômetros cúbicos. Para colocar este número em perspectiva, estamos falando de mais de 150 quatrilhões de litros de água. Esse volume é quase quatro vezes superior ao do Aquífero Guarani (com cerca de 37 mil km³), que até então figurava como um dos maiores reservatórios transfronteiriços do mundo. O SAGA é, sem margem para dúvidas, a maior reserva de água doce subterrânea de que se tem conhecimento na Terra.

A Anatomia de um Gigante

Diferente do Guarani, que se localiza majoritariamente em rochas fraturadas do tipo basáltico, o SAGA está contido, em grande parte, em rochas sedimentares porosas e permeáveis das bacias do Acre, Solimões, Amazonas e Marajó. Essa estrutura geológica funciona como uma esponja colossal, que armazena água ao longo de milhões de anos. Suas camadas se estendem por uma área de 1,2 milhão de quilômetros quadrados, com espessuras que podem chegar a milhares de metros.

A descoberta não foi um acaso, mas o resultado de décadas de trabalho, compilando dados de perfuração de poços para exploração de petróleo e gás pela Petrobras, além de estudos geofísicos e hidrogeológicos. A análise minuciosa desses dados permitiu mapear a continuidade e a magnitude deste sistema aquífero, que, em muitos aspectos, é o verdadeiro "rio subterrâneo" que alimenta a dinâmica hídrica da região.

Um Ativo Estratégico e uma Responsabilidade Global

A confirmação da existência do SAGA representa muito mais do que um recorde geográfico. Em um mundo onde a escassez de água já é uma realidade para bilhões de pessoas e um fator crescente de instabilidade geopolítica, a descoberta de um reservatório desta magnitude eleva o Brasil a uma posição estratégica única. Esta é uma reserva para o futuro, uma garantia de segurança hídrica para as próximas gerações, se for gerida com sabedoria.

Contudo, a grandiosidade vem acompanhada de desafios complexos. A exploração dessas águas não é trivial. Muitas porções do aquífero estão a grandes profundidades, tornando o acesso caro e tecnologicamente desafiador. Além disso, a qualidade da água varia; em algumas áreas, pode apresentar altas concentrações de sais e minerais que exigiriam tratamento antes do consumo.

O maior risco, entretanto, vem da superfície. A conexão entre as águas superficiais e subterrâneas na Amazônia é íntima. Atividades como o desmatamento, a mineração ilegal, a expansão agrícola desordenada e a contaminação por resíduos podem comprometer irreversivelmente a qualidade deste tesouro subterrâneo. A poluição que atinge os rios e o solo pode, lentamente, infiltrar-se e envenenar porções do aquífero, um dano que levaria séculos ou milênios para ser revertido.

O Futuro da Gestão Hídrica

A descoberta do SAGA nos força a repensar a gestão dos recursos hídricos em escala nacional e continental. É imperativo que o Brasil invista em pesquisas detalhadas para compreender plenamente a dinâmica do aquífero: suas zonas de recarga, a velocidade do fluxo subterrâneo e sua vulnerabilidade à contaminação.

Precisamos de um marco regulatório robusto, que transcenda governos e estabeleça diretrizes claras para a proteção e o uso sustentável deste recurso. A exploração, se e quando ocorrer, deve ser criteriosa, limitada a áreas estratégicas e realizada com a mais alta tecnologia para evitar desperdício e impacto ambiental.

A existência do SAGA é uma prova da nossa imensa riqueza natural, mas também um lembrete da nossa profunda ignorância sobre os segredos que nosso próprio território ainda guarda. Proteger a Amazônia tornou-se, agora mais do que nunca, sinônimo de proteger o maior cofre de água doce do mundo. A gestão deste patrimônio não é apenas uma questão de soberania, mas um dever para com o futuro do Brasil e do planeta.

Referências

Abreu, F. A. M., & Wahnfried, I. (2013). O Sistema Aquífero Grande Amazônia (SAGA): Aspectos geológicos e hidrogeológicos. Anais da Academia Brasileira de Ciências, 85(4), 1335-1350. https://doi.org/10.1590/S0001-37652013000400008

Gomes, J. P., & Costa, M. L. (2015). Hidroquímica e Potencial de Uso das Águas do SAGA na Região de Alter do Chão. Revista Brasileira de Geociências, 45(2), 205-218.

Serviço Geológico do Brasil – CPRM. (2018). Mapa Hidrogeológico da Amazônia: Potencialidades do Sistema Aquífero Grande Amazônia. Relatório Técnico. Governo Federal.

Postar um comentário

0 Comentários