Introdução
Nos últimos dias, declarações públicas atribuídas a Donald Trump, atualmente envolvido em discussões políticas nos Estados Unidos, causaram polêmica entre especialistas em saúde pública: ele afirmou que não haveria razão para administrar a vacina contra hepatite B em recém-nascidos. Esse posicionamento contraria décadas de recomendações médicas e evidências científicas. O artigo examina o que foi dito, qual é o consenso científico, quais são os riscos e implicações, e como esse debate está sendo recebido pela comunidade de saúde.
O que foi declarado
Em pronunciamento oficial, Trump sugeriu mudanças no calendário vacinal infantil, incluindo a possibilidade de adiar a administração da vacina contra hepatite B para recém-nascidos. Ele teria afirmado que “não há razão” para dar essa vacina logo ao nascimento, questionando a necessidade de imunizar todos os bebês universalmente nesse momento.
Também se registrou que um painel assessor de imunização vinculado ao Departamento de Saúde dos EUA está debatendo recomendar que a vacina seja administrada somente após um mês de idade para recém-nascidos cujas mães testaram negativo para hepatite B, em vez da aplicação universal ao nascer.
O que diz a evidência científica
Sobre a hepatite B e seus riscos em recém-nascidos
A hepatite B (HBV) é um vírus que ataca o fígado e pode causar infecção aguda ou crônica. Quando a infecção ocorre em recém-nascidos ou crianças muito pequenas, a probabilidade de evoluir para forma crônica é muito mais alta do que em adultos.
Infecções crônicas por HBV aumentam o risco de desenvolver cirrose hepática, câncer de fígado (hepatocarcinoma) e outras complicações a longo prazo.
Sobre a eficácia e segurança da vacinação ao nascer
Desde 1991, nos Estados Unidos, recomenda-se universalmente que todos os recém-nascidos recebam a primeira dose da vacina contra hepatite B logo após o nascimento.
A adoção dessa prática de vacinação universal ao nascer foi associada a queda significativa nos casos de hepatite B em crianças, e reduções marcantes nas infecções crônicas.
A vacina tem se mostrado segura. Os efeitos adversos geralmente são leves — dor no local da injeção, febre, irritação — e graves reações são extremamente raras.
Sobre argumentos para adiar a vacinação
Alguns defensores do adiamento afirmam que, se a mãe do recém-nascido testa negativo para hepatite B, poderia haver menor risco; ainda assim, especialistas apontam que esse teste nem sempre é perfeito (falsos negativos, atraso na obtenção de resultados) e que o sistema universal ao nascer funciona como uma “rede de segurança”.
Adiar a dose de nascimento pode aumentar o risco de exposição precoce ao vírus, inclusive durante o parto, ou por contato com cuidadores que portem a hepatite sem saber.
A oposição e críticas
Especialistas em pediatria, epidemiologia, hepatologia e organizações de saúde têm criticado fortemente as declarações de Trump:
Eles afirmam que sugerir que não haja razão para vacinar recém-nascidos é incompatível com evidências robustas e coloca crianças em risco desnecessário.
A American Academy of Pediatrics, entre outras, reafirma que a prática universal de vacinação é essencial para prevenir a transmissão vertical (da mãe para o bebê) e também a transmissão horizontal precoce, inclusive nos primeiros dias de vida.
Os críticos também destacam que mudar políticas vacinais com base em sentimentos ou percepções, sem evidência nova e rigorosa, pode gerar insegurança, aumentar hesitação vacinal e comprometer o controle de doenças evitáveis.
Implicações para a saúde pública
Se uma política de adiar a vacinação neonatal contra hepatite B fosse adotada:
Aumento de casos crônicos: crianças infectadas no nascimento ou nos primeiros meses têm alta chance de evolução para hepatite B crônica, com complicações tardias.
Perda de proteção universal: se a vacinação depender de saber se a mãe é portadora, falhas no sistema de testagem ou lapsos poderiam deixar bebês vulneráveis.
Possível retorno de doenças: com vacinados insuficientemente, poderia haver mais transmissão, inclusive em ambientes hospitalares ou domésticos.
Confiança abalada: quando lideranças públicas contradizem orientações baseadas em evidência, isso pode gerar dúvidas entre os pais e cuidadores, fomentando hesitação vacinal.
Conclusão
A declaração de que “não há razão” para vacinar recém-nascidos contra hepatite B vai contra um consenso científico consolidado: o vírus representa risco grave para bebês, a vacinação neonatal é segura e eficaz, e adiar essa vacina acarreta riscos substanciais. Embora seja legítimo revisar políticas públicas e protocolos à luz de novas evidências, até o momento não há evidência convincente que justifique uma mudança do calendário vacinal neonatal contra hepatite B nos termos propostos. Decisões desse tipo devem basear-se em estudos rigorosos, transparência e ponderação de riscos vs. benefícios.
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Referências
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