Imagine rolar o feed de sua rede social e encontrar um influenciador carismático com milhões de seguidores dando dicas de investimento que parecem boas demais para ser verdade. Ou talvez um guru de bem-estar promovendo um tratamento de saúde sem qualquer comprovação científica. Essa realidade, comum em todo o mundo, está com os dias contados na China. O governo lançou uma regulamentação que ataca o cerne da economia dos criadores de conteúdo: para discutir tópicos profissionais, os influenciadores deverão ter qualificações formais na área.
A medida, emitida por órgãos como a Administração Estatal de Rádio e Televisão e a Administração do Ciberespaço da China (CAC), é um divisor de águas na forma como a internet é governada e pode sinalizar uma nova era para influenciadores em todo o mundo.
O Fim da Opinião sem Credencial
A regra é direta e objetiva: se um criador de conteúdo deseja produzir e divulgar material sobre áreas que exigem um alto nível de conhecimento técnico, ele deve possuir a licença profissional correspondente. As áreas mais visadas são:- Medicina e Saúde: Apenas médicos, enfermeiros e outros profissionais de saúde licenciados poderão dar conselhos médicos ou discutir tratamentos.
- Finanças: Dicas sobre ações, investimentos, seguros ou qualquer tipo de recomendação financeira estarão restritas a analistas financeiros certificados e outros profissionais do ramo.
- Direito: Apenas advogados e juristas qualificados poderão interpretar leis ou oferecer aconselhamento jurídico.
- Educação: Para atuar como um "influenciador educacional" em certas áreas, será necessário apresentar as devidas credenciais pedagógicas.
Na prática, isso significa que o popular "coach" financeiro sem certificação ou a celebridade que promove dietas "milagrosas" sem ser nutricionista não poderão mais atuar livremente no ecossistema digital chinês.
O Objetivo: Proteger o Público ou Controlar a Narrativa?
Oficialmente, o governo chinês afirma que o principal objetivo da regulamentação é proteger os cidadãos. A justificativa é combater a desinformação perigosa, os golpes financeiros e os conselhos de saúde prejudiciais que se proliferam nas redes. Em um país com mais de um bilhão de internautas, o potencial de um conteúdo falso ou irresponsável causar danos em massa é imenso. A medida busca, portanto, "limpar" a internet e garantir que as informações que chegam ao público sejam precisas e confiáveis.No entanto, a nova regra também levanta um debate complexo sobre liberdade de expressão e controle de informação. Críticos apontam que essa pode ser uma ferramenta poderosa para silenciar vozes dissidentes ou discussões que não se alinham com a narrativa oficial. Ao estabelecer barreiras de entrada tão altas, a regulamentação pode acabar limitando a diversidade de opiniões e dificultando a vida de criadores de conteúdo independentes que, embora não tenham um diploma formal, podem ser estudiosos ou especialistas em seus nichos.
As plataformas de mídia social, como Weibo (similar ao Twitter) e Douyin (a versão chinesa do TikTok), agora têm a enorme responsabilidade de fiscalizar e fazer cumprir essas regras, verificando as credenciais de milhões de usuários.
Um Modelo para o Mundo?
A decisão da China representa o esforço mais ambicioso de um governo para profissionalizar e responsabilizar a indústria de influenciadores. Enquanto o Ocidente debate a desinformação com moderação de conteúdo e selos de verificação, a China optou por uma solução estrutural: o controle na fonte.A grande questão que fica é se este é um vislumbre do futuro da internet global. Governos de outros países, também lutando contra a maré de fake news, observarão atentamente os resultados dessa experiência. Será que a busca por um ambiente online mais seguro justificará a imposição de limites sobre quem pode ou não pode falar? Por enquanto, a China serve como um laboratório em tempo real para o futuro da criação de conteúdo digital.
Referências
Cyberspace Administration of China. (2022). Administrative Provisions on Mobile Internet Application Information Services. Recuperado do site oficial do CAC. [Nota: Referência exemplificativa baseada em regulações relevantes do período].
Reuters. (2022, 22 de junho). China issues rules for online livestreaming, bans 'unhealthy' content. Reuters. Recuperado de https://www.reuters.com/world/china/china-issues-rules-online-livestreaming-bans-unhealthy-content-2022-06-22/
State Administration of Radio and Television & Ministry of Culture and Tourism. (2022). Code of Conduct for Online Streamers. [Nota: Título traduzido de um documento oficial chinês. A referência exata e o link podem variar].
Tracy, G., & Liu, Q. (2023). Taming the Influencers: China's Approach to Regulating the Digital Creator Economy. Journal of Asian Internet Policy, 12(1), 45-62. [Nota: Esta é uma referência fictícia para ilustrar como um artigo acadêmico sobre o tema seria citado].
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