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Bomba Atômica no Brasil? PEC Polêmica e os Acordos Internacionais

Uma proposta de emenda à Constituição, apresentada pelo deputado federal Kim Kataguiri (União-SP), acende um debate complexo e controverso no cenário nacional: a possibilidade de o Brasil desenvolver e possuir armas nucleares. A "PEC da Bomba Nuclear", como ficou conhecida, busca alterar a atual política de Estado brasileira, que há décadas preza pelo uso exclusivamente pacífico da tecnologia nuclear, e retirar o país de importantes tratados internacionais de não proliferação de armas.


A proposta, que para tramitar precisa do apoio de ao menos 171 deputados, argumenta que a posse de um arsenal atômico serviria como um poderoso instrumento de dissuasão, protegendo a soberania nacional contra ameaças externas. Em sua justificativa, o deputado cita um cenário geopolítico de crescentes instabilidades, com a rivalidade entre grandes potências e o avanço de programas nucleares em outros países, como razões para o Brasil repensar sua estratégia de defesa.

Segundo o texto divulgado, o uso de armas nucleares seria restrito a situações extremas, como uma "grave ameaça de conquista do território nacional" ou em retaliação a um ataque com armas de destruição em massa. A ideia, segundo Kataguiri, não é transformar o Brasil em uma nação beligerante, mas sim garantir a paz através do que chama de "paz armada", um conceito em que o poderio militar desencoraja agressões.

O Que Diz a Lei e os Acordos Internacionais?

Atualmente, a Constituição Federal de 1988 é clara em seu artigo 21, inciso XXIII, alínea 'a', que determina que "toda atividade nuclear em território nacional somente será admitida para fins pacíficos e mediante aprovação do Congresso Nacional". A PEC de Kataguiri visa justamente modificar essa cláusula, abrindo precedente para o desenvolvimento de artefatos bélicos.

Além da barreira constitucional, o Brasil é signatário de importantes acordos internacionais que reforçam seu compromisso com a não proliferação de armas nucleares. O principal deles é o Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP), ao qual o país aderiu em 1998. O TNP tem como pilares o desarmamento nuclear, a não proliferação e o direito ao uso pacífico da energia nuclear.

Outro compromisso fundamental é o Tratado de Tlatelolco, que em 1967 criou a primeira zona livre de armas nucleares em uma área densamente povoada, a América Latina e o Caribe. A proposta do deputado prevê a retirada do Brasil de ambos os tratados, o que representaria uma ruptura drástica com a tradição diplomática brasileira de defesa do desarmamento.

As Implicações de uma Decisão Nuclear

A proposta de militarização nuclear do Brasil levanta um leque de complexas implicações geopolíticas, econômicas e sociais.

Do ponto de vista geopolítico, a posse de armas nucleares poderia, em tese, elevar o status do Brasil no cenário internacional, conferindo-lhe maior poder de barganha e influência. No entanto, a grande maioria dos analistas de relações internacionais aponta para um cenário de isolamento e desconfiança. A quebra de acordos internacionais poderia minar a credibilidade do país, afastar parceiros comerciais e gerar uma corrida armamentista na América do Sul, uma região historicamente pacífica no que tange a conflitos entre Estados.

Economicamente, os custos de um programa nuclear militar são astronômicos. O desenvolvimento de tecnologia para enriquecimento de urânio em grau militar, a construção de reatores específicos, a produção de ogivas e a criação de sistemas de lançamento demandam investimentos de bilhões de dólares, recursos que poderiam ser alocados em áreas prioritárias como saúde, educação e infraestrutura. O programa de energia nuclear brasileiro, com as usinas de Angra, já representa um investimento de grande vulto, e um programa militar exigiria um aporte financeiro ainda mais significativo.

Socialmente, a opinião pública brasileira se mostra dividida. Uma pesquisa da Fundação Getúlio Vargas (FGV) revelou que, em um cenário de grave ameaça externa, o apoio à construção de uma bomba atômica chega a 47%. No entanto, a tradição pacifista e a preocupação com os riscos de acidentes e com o desvio de recursos são fatores de forte oposição na sociedade civil.

O Histórico do Programa Nuclear Brasileiro

O Brasil possui um avançado programa nuclear, com tecnologia para enriquecer urânio, uma conquista alcançada ao longo de décadas de pesquisa. O programa, que teve início nos anos 1950, sempre foi marcado por um debate interno sobre seus fins. Durante o regime militar (1964-1985), houve um programa secreto paralelo que visava o desenvolvimento de artefatos nucleares, mas que foi oficialmente abandonado com a redemocratização. A partir dos anos 1990, o Brasil consolidou sua posição de uso pacífico da tecnologia nuclear, culminando na adesão ao TNP.

Alternativas para a Defesa Nacional

Especialistas em defesa e relações internacionais argumentam que a segurança do Brasil pode ser garantida por meio de outras estratégias que não a nuclearização. O fortalecimento das Forças Armadas convencionais, o investimento em tecnologias de defesa cibernética e espacial, o adensamento da diplomacia e o aprofundamento da cooperação regional são apontados como caminhos mais alinhados à tradição e aos interesses do país. A Estratégia Nacional de Defesa do Brasil, por exemplo, enfatiza a dissuasão por meio da capacidade de defesa e da presença estratégica no Atlântico Sul, sem mencionar a necessidade de armas de destruição em massa.

A "PEC da Bomba Nuclear" de Kim Kataguiri, portanto, mais do que uma simples proposta legislativa, reabre uma caixa de Pandora de questionamentos sobre o lugar do Brasil no mundo e os caminhos para assegurar sua soberania. O debate está lançado e exigirá da sociedade e de seus representantes uma profunda reflexão sobre os riscos e as incertas vantagens de se juntar ao restrito e perigoso clube nuclear.

Referências

* Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. (1988). Brasília, DF: Senado Federal.

* Fundação Getúlio Vargas. (2024). Pesquisa revela que, em caso de grave ameaça militar, opção nuclear polariza a sociedade brasileira. FGV Notícias.

* Ministério das Relações Exteriores. (s.d.). Desarmamento e não-proliferação. Gov.br.

* Schroeder, L. (2025, 8 de outubro). Kim Kataguiri apresenta PEC que autoriza Brasil a produzir armas nucleares. CNN Brasil.

* Hora, G. (2025, 8 de outubro). ‘PEC Bomba Nuclear’: Kim Kataguiri propõe emenda que autoriza Brasil a produzir bomba atômica. O Estado de S. Paulo.

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