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A Luz Azul Mais Rápida que a Luz: O Legado de Ilya Frank e a Radiação "Impossível"

Nascido em 23 de outubro de 1908, o físico russo Ilya Frank desvendou um dos fenômenos mais belos e estranhos da física nuclear: o brilho azulado que assombrou os cientistas e se tornou uma ferramenta essencial para caçar partículas.


Se você já viu fotos do interior de um reator nuclear ativo, deve ter notado um brilho azul etéreo, quase mágico, emanando da água. Essa não é uma luz artificial para iluminação, nem um efeito especial. É um fenômeno físico real, uma espécie de "boom sônico" da luz, e o homem que primeiro decifrou seu código nasceu em um dia como hoje, 23 de outubro.

O nome dele era Ilya Mikhailovich Frank, e seu trabalho mudou fundamentalmente a forma como detectamos o invisível.

O Mistério do Brilho Azul

A história começa na década de 1930 com outro físico soviético, Pavel Cherenkov. Ao realizar experimentos com líquidos expostos à radiação gama, Cherenkov notou esse brilho azulado persistente. Era um mistério completo. A fluorescência (o processo que faz a luz negra funcionar) foi descartada. A luz aparecia mesmo em líquidos puros, e sua cor não mudava.

Cherenkov havia descoberto um novo tipo de radiação, mas foi Ilya Frank, juntamente com seu colega Igor Tamm, quem forneceu a explicação teórica em 1937. O que eles propuseram parecia, à primeira vista, quebrar a regra mais fundamental da física moderna: nada pode viajar mais rápido que a velocidade da luz.

Quebrando o Limite de Velocidade (em um Meio)

A genialidade da explicação de Frank e Tamm está em um detalhe crucial. A velocidade da luz no vácuo (cerca de 300.000 km/s) é, de fato, o limite de velocidade cósmico. No entanto, quando a luz viaja através de um meio transparente, como água ou vidro, ela desacelera. É como um carro de corrida tentando dirigir em alta velocidade através de um pântano; ele fica mais lento.

Frank e Tamm perceberam que, embora a luz desacelere na água, uma partícula subatômica de alta energia (como um elétron ejetado por uma reação nuclear) não desacelera tanto. Ela ainda está sujeita ao limite de velocidade do vácuo, mas não ao limite de velocidade da luz naquele meio específico.

O resultado é que a partícula pode, momentaneamente, viajar mais rápido do que a luz viaja na água.

Para o público leigo, a melhor analogia é o "boom sônico". Um avião a jato que quebra a barreira do som cria uma onda de choque que ouvimos como um estrondo sônico. Da mesma forma, uma partícula que quebra a barreira da luz (na água) cria uma onda de choque de luz. Essa onda de choque luminosa é a "Radiação de Cherenkov" que vemos como um brilho azulado.

De Curiosidade a Ferramenta Nobel

A descoberta de Frank e Tamm foi muito além de apenas resolver um mistério visual. Ela forneceu à física uma ferramenta de medição completamente nova. A luz Cherenkov não é emitida aleatoriamente; ela se propaga em um cone preciso. Ao medir o ângulo desse cone de luz, os físicos podem calcular a velocidade exata da partícula que o criou.

De repente, o brilho azul tornou-se um "radar de velocidade" para o mundo subatômico.

Essa descoberta levou ao desenvolvimento dos "detectores Cherenkov", que se tornaram essenciais na física de partículas. Eles são usados hoje em alguns dos maiores experimentos científicos do mundo:

  • No CERN (Grande Colisor de Hádrons): Detectores gigantes usam esse efeito para identificar as partículas exóticas criadas nas colisões de prótons.
  • Em Observatórios de Neutrinos: Experimentos como o IceCube, na Antártida, usam quilômetros cúbicos de gelo como meio transparente. Quando um neutrino (uma partícula fantasma) interage com o gelo, ele pode criar uma partícula secundária que viaja mais rápido que a luz no gelo, gerando o brilho Cherenkov, que é a única maneira de "ver" o neutrino.

Pelo feito de "descobrir e interpretar o efeito Cherenkov", Ilya Frank, Igor Tamm e Pavel Cherenkov dividiram o Prêmio Nobel de Física em 1958. O trabalho de Frank, nascido há 117 anos, transformou um brilho misterioso em uma das janelas mais importantes que temos para o universo subatômico.

Referências 

Nobel Foundation. (1958). The Nobel Prize in Physics 1958. NobelPrize.org. Recuperado em 23 de outubro de 2025, de https://www.nobelprize.org/prizes/physics/1958/summary/

The Editors of Encyclopaedia Britannica. (2025, 19 de outubro). Ilya Mikhaylovich Frank. Encyclopedia Britannica. Recuperado em 23 de outubro de 2025, de https://www.britannica.com/biography/Ilya-Mikhaylovich-Frank

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