Uma notícia que parecia pertencer ao roteiro de um filme de ficção científica acaba de se tornar a maior prioridade da saúde no Brasil. Uma pesquisa revolucionária, liderada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), desenvolveu um medicamento experimental que, em seus primeiros testes com humanos, permitiu que pacientes com lesões graves na medula espinhal recuperassem movimentos.
O impacto foi tão profundo que o Ministério da Saúde e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) anunciaram esta semana que o projeto terá "prioridade absoluta" em suas análises. Isso significa que o caminho para que este tratamento chegue aos hospitais foi drasticamente encurtado.
A medula espinhal é o complexo feixe de nervos que conecta o cérebro ao resto do corpo. Um acidente de carro, um mergulho em águas rasas ou uma queda podem rompê-la, interrompendo essa comunicação. O resultado, muitas vezes permanente, é a paralisia (paraplegia ou tetraplegia). O que a pesquisa da UFRJ apresenta é uma esperança real de reverter esse quadro.
O que é essa molécula e como ela funciona?
O nome do medicamento experimental é Polilaminina. Ele é uma versão sintética de uma proteína que todos nós produzimos naturalmente, a Laminina.A pesquisa é liderada pela professora Tatiana Sampaio, do Instituto de Ciências Biomédicas da UFRJ, que estuda o tema há mais de duas décadas. A equipe descobriu que a Laminina, encontrada em abundância na placenta humana, atua como uma espécie de "cola biológica" ou "andaime" durante o desenvolvimento do embrião, guiando o crescimento dos neurônios.
A grande sacada dos cientistas brasileiros foi descobrir como "polimerizar" (organizar e estabilizar) essa proteína em laboratório, criando a Polilaminina.
Quando aplicada diretamente no local da lesão medular logo após o trauma, a Polilaminina age de duas formas:
- Proteção: Ela impede a morte celular em cascata que normalmente ocorre após uma lesão, preservando os neurônios que sobreviveram ao impacto inicial.
- Regeneração: Ela cria um "caminho" ou "túnel" físico que permite que os axônios (as "fios" dos neurônios) voltem a crescer, se reconectando e restabelecendo a comunicação entre o cérebro e os membros.
"Voltei a me movimentar completamente"
O que tira esta pesquisa do campo da teoria e a coloca sob os holofotes são os resultados em pacientes. Embora os testes iniciais (acadêmicos) tenham envolvido um número pequeno de voluntários, os resultados são impressionantes.O caso mais emblemático é o de Bruno Drummond de Freitas. Após um acidente que o deixou paralisado do pescoço para baixo, ele recebeu o tratamento com a Polilaminina. Cinco meses depois, ele havia recuperado os movimentos. Em entrevistas recentes, Bruno relata levar uma vida praticamente normal, com limitações leves, algo considerado impossível pela medicina tradicional para o seu tipo de lesão.
Outro caso notável é o da atleta paralímpica Hawanna Cruz Ribeiro, que após o tratamento recuperou cerca de 70% do controle de tronco, um ganho funcional imenso que impactou diretamente sua qualidade de vida e desempenho no esporte.
Os pesquisadores também testaram a molécula em animais com lesões crônicas (mais antigas), e os resultados positivos também abriram uma nova frente de esperança para quem vive com paralisia há anos.
O que significa a "Prioridade Máxima"?
É crucial entender o que o anúncio do Ministério da Saúde e da Anvisa significa. O medicamento ainda não está disponível nas farmácias.A pesquisa, agora em parceria com a farmacêutica brasileira Cristália, estava se preparando para iniciar os rigorosos testes clínicos de Fase 1 (a primeira etapa oficial de testes em humanos, exigida por agências regulatórias, focada em segurança).
O status de "prioridade absoluta" significa que a Anvisa analisará os documentos e liberará o início desses testes de forma muito mais rápida que o normal. Se os resultados das Fases 1, 2 e 3 (que medem segurança e eficácia em grupos cada vez maiores) forem positivos, a aprovação final para uso em larga escala no SUS e em hospitais privados também será acelerada.
O que antes poderia levar uma década, agora pode acontecer em um tempo recorde. É o reconhecimento, por parte do governo, de que a Polilaminina não é apenas mais uma pesquisa, mas uma inovação terapêutica disruptiva e uma das maiores apostas da ciência brasileira em décadas.
Referências
Batista, C. (2025, 22 de outubro). Ministério da Saúde e Anvisa vão priorizar estudos sobre medicamento brasileiro para tratar lesões na medula. Portal UMBU. https://portalumbu.com.br/ministerio-da-saude-e-anvisa-vao-priorizar-estudos-sobre-medicamento-brasileiro-para-tratar-lesoes-na-medula/
CNN Brasil. (2025, 10 de setembro). Medicamento inédito devolve movimento a pacientes com lesão na medula. https://www.cnnbrasil.com.br/saude/medicamento-inedito-devolve-movimento-a-pacientes-com-lesao-na-medula/
Cristália. (2025, 12 de setembro). Cientistas da UFRJ desenvolvem medicamento inovador que pode reverter lesão medular. https://www.cristalia.com.br/midia/cientistas-da-ufrj-desenvolvem-medicamento-inovador-que-pode-reverter-lesao-medular
Parque Tecnológico da UFRJ. (2025, 10 de setembro). Medicamento desenvolvido pela UFRJ devolve mobilidade a pessoas tetraplégicas. https://parque.ufrj.br/por-dentro-do-parque/medicamento-desenvolvido-pela-ufrj-devolve-mobilidade-a-pessoas-tetraplegicas/
Pessoa, C. (2025, 15 de setembro). Reversão de lesão medular: pesquisa espera autorização da Anvisa. Agência Brasil - EBC. https://agenciabrasil.ebc.com.br/radioagencia-nacional/saude/audio/2025-09/reversao-de-lesao-medular-pesquisa-espera-autorizacao-da-anvisa
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