Quando pensamos em poluição por plástico, a imagem que vem à mente é a de oceanos, praias e animais marinhos. O que a maioria de nós nunca imaginou é que esse mesmo plástico pudesse estar, neste exato momento, viajando por nossas veias e se alojando em nossas artérias. Uma nova pesquisa bombástica, vinda da Universidade do Novo México, nos força a encarar essa realidade desconfortável.
A descoberta, liderada pelo Dr. Ross Clark e apresentada nas prestigiosas Sessões Científicas da American Heart Association, é direta e assustadora: o plástico não é apenas um poluente ambiental; ele é um infiltrado biológico.
A Descoberta: Onde Há Doença, Há Plástico
A equipe do Dr. Clark focou sua investigação nas artérias carótidas — os "canos" vitais que levam sangue ao nosso cérebro. Quando essas artérias ficam entupidas com placas de gordura (um processo chamado aterosclerose), o risco de um Acidente Vascular Cerebral (AVC) dispara.Os pesquisadores compararam o tecido das artérias de pacientes que precisaram de cirurgia para remover essas placas perigosas com o tecido de indivíduos sem sintomas de doença cardiovascular. O resultado chocou a todos.
As artérias carótidas doentes continham uma concentração de plástico drasticamente maior. Em alguns casos, a quantidade de microplástico encontrada nas placas de gordura era até 51 vezes maior do que a encontrada nos tecidos de controle. É como se o plástico estivesse, de alguma forma, sendo atraído para essas áreas já inflamadas, ou pior, ajudando a criá-las.
Como o Plástico Chega Lá? A Rota da Infiltração
A pergunta óbvia é: como isso foi parar ali? A resposta está nos microplásticos e nanoplásticos (MNPs).Estamos cercados por eles. Esses fragmentos minúsculos, invisíveis a olho nu, vêm da degradação de garrafas PET, embalagens de alimentos, pneus de carro e até mesmo das fibras de nossas roupas sintéticas. Nós os inalamos pelo ar que respiramos e os ingerimos pela água que bebemos e pela comida que comemos.
Por serem tão pequenos, esses fragmentos conseguem atravessar as barreiras do nosso intestino e pulmões, caindo diretamente na corrente sanguínea. Uma vez no sangue, eles agem como pequenos invasores, viajando para todos os cantos do corpo, incluindo o coração e as artérias.
O Plástico Está "Alimentando" a Doença?
Este estudo é um divisor de águas porque sugere que o plástico não está apenas "de passagem" pelo nosso corpo. Ele está se acumulando ativamente nos locais exatos onde as doenças cardiovasculares mais perigosas se formam.A equipe do Dr. Clark levanta a hipótese de que o plástico funciona como um agente inflamatório. O corpo reconhece essas partículas sintéticas como estranhas e lança um ataque imunológico. Em uma artéria, essa "guerra" constante (inflamação crônica) é exatamente o que torna as placas de gordura mais instáveis, aumentando o risco de que elas se rompam e causem um bloqueio fatal no cérebro (AVC) ou no coração (infarto).
Embora os cientistas sejam cautelosos — este estudo mostra uma forte associação (correlação), e não ainda uma causa direta —, a evidência é robusta demais para ser ignorada. Ter 51 vezes mais plástico em uma artéria doente dificilmente é uma coincidência.
Do Meio Ambiente para a Sua Artéria
A descoberta da Universidade do Novo México muda fundamentalmente nossa relação com a poluição por plástico. Ela deixa de ser um problema distante, uma questão puramente ecológica sobre o futuro do planeta, e se torna uma emergência imediata de saúde pública.O inimigo invisível que estávamos tentando limpar dos oceanos já pode estar silenciosamente se acumulando dentro de nós, alimentando uma das doenças que mais matam no mundo. A ciência agora corre contra o tempo para entender a extensão total desse dano e o que podemos fazer para revertê-lo.
Referências
(Nota: Como a pesquisa foi apresentada em um congresso, a referência principal é a apresentação, além de estudos de apoio sobre o tema.)
Clark, R. (2025, Outubro). [Título da apresentação, ex: Quantification of Micro- and Nanoplastics in Symptomatic Carotid Artery Atheroma]. Apresentação oral nas Sessões Científicas da American Heart Association 2025, [Local da conferência].
American Heart Association (AHA). (2025). Scientific Sessions 2025: Conference Highlights. Recuperado de
https://www.heart.org/professional/scientific-sessions
Leslie, H. A., van Velzen, M. J. M., Brandsma, S. H., Vethaak, A. D., Garcia-Vallejo, J. J., & Lamoree, M. H. (2022). Discovery and quantification of plastic particle pollution in human blood. Environ1ment International, 163, 107199.
https://doi.org/10.1016/j.envint.2022.107199
Marfella, R., Pratt, M., & et al. (2024). Microplastics and Nanoplastics in Carotid Atheroma and Cardiovascular Events. The New England Journal of Medicine, 390(10), 900-910. DOI: 10.1056/NEJMoa2309832
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