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A Era Humana: Césio-137 encontrado em rio de SP é o "carimbo" do Antropoceno

Estudo da USP detecta no Rio Ribeira de Iguape a assinatura radioativa de testes nucleares da Guerra Fria, marcando o exato momento em que a humanidade se tornou a principal força geológica do planeta.

Vivemos em uma nova época geológica? Por décadas, cientistas debatem o "Antropoceno", a proposta Era dos Humanos, um tempo em que nossa atividade (desde a queima de combustíveis fósseis até a produção de plástico) se tornou a força dominante que molda o planeta, superando processos naturais. A maior dificuldade era definir: quando exatamente ele começou?

Agora, um estudo da Universidade de São Paulo (USP) encontrou uma resposta cravada no leito de um rio em São Paulo. A descoberta, feita em sedimentos do Rio Ribeira de Iguape, é um "carimbo geológico" inconfundível que marca o início dessa nova era: traços de Césio-137.

O "Marco Dourado" da Era Humana

Para que uma nova época geológica seja oficializada, os cientistas precisam de um "Marco Dourado" (ou GSSP, na sigla em inglês). Trata-se de um sinal físico, claro e global, que possa ser encontrado em camadas de rocha, gelo ou sedimento em qualquer lugar do mundo, provando que uma mudança planetária ocorreu de forma sincronizada.

Por anos, o candidato mais forte para esse marco tem sido a "chuva radioativa" (ou fallout) gerada pelos testes de bombas nucleares atmosféricas, que atingiram seu pico no início dos anos 1960. Esses testes espalharam isótopos artificiais, que não existem na natureza, por todo o globo. Entre eles, o Plutônio-239 e o Césio-137.

A lógica é simples: no futuro distante, geólogos de outra espécie (ou nossos próprios descendentes) poderão cavar e encontrar, em todo o planeta, uma fina camada de sedimento datada de meados do século XX que contém esses elementos radioativos. Seria a assinatura indelével da humanidade.

A Descoberta no Rio Ribeira

O que o estudo da USP, conduzido pelo geógrafo Rubens Cesar Lopes Figueira, fez foi confirmar que essa assinatura global está presente e preservada no Brasil. Ao analisar testemunhos de sedimento (tubos de solo que mostram as camadas depositadas ao longo do tempo) no Rio Ribeira de Iguape, os pesquisadores encontraram um pico claro de concentração de Césio-137.

Essa concentração começa a aparecer por volta de 1950 e atinge seu auge em camadas correspondentes ao ano de 1963, exatamente quando os testes nucleares atmosféricos da Guerra Fria estavam em seu nível mais intenso.

A escolha do Rio Ribeira de Iguape não foi acidental. Ele é considerado o maior rio "vivo" do estado de São Paulo, por não possuir barragens em seu leito principal, o que permite um registro de sedimentação mais natural e contínuo.

Importante: Não é Goiânia e Não Há Risco

É fundamental fazer uma distinção clara. Ao ouvir "Césio-137" no Brasil, a memória nos leva imediatamente ao trágico acidente de Goiânia em 1987. Os eventos não têm qualquer relação.

O acidente de Goiânia foi uma contaminação local, intensa e perigosa, causada por uma fonte de radioterapia. O Césio-137 encontrado no Rio Ribeira, por outro lado, é resultado de fallout global. Suas concentrações são baixíssimas, não representam qualquer risco à saúde da população ou ao ecossistema local. O seu valor é puramente científico: ele funciona como um marcador de tempo, um "carimbo" que data precisamente aquela camada de solo.

O Início da "Grande Aceleração"

A assinatura radioativa encontrada no rio paulista, e em locais de referência mundial como o Lago Crawford, no Canadá, não marca apenas os testes nucleares. Ela coincide perfeitamente com o início da "Grande Aceleração".

Foi a partir da década de 1950 que gráficos de atividade humana dispararam: o consumo de combustíveis fósseis, a produção de plásticos, o uso de fertilizantes, as emissões de dióxido de carbono e o crescimento populacional. Todos esses indicadores explodiram simultaneamente.

A descoberta no Rio Ribeira de Iguape é mais uma evidência robusta de que o Antropoceno é uma realidade geológica. Não é mais uma teoria sobre o futuro; é um fato registrado no passado, escrito em nossas próprias bacias fluviais. A humanidade deixou, literalmente, sua marca na história da Terra.

Referências (Formato APA)

Figueira, R. C. L. (2024). Marcadores radioisotópicos do Antropoceno em sistemas fluviais meândricos: identificação de traços de Cs-137 no baixo Ribeira (SP). [Dissertação de Mestrado, Universidade de São Paulo].

Jornal da USP. (2025, 13 de outubro). Césio-137 encontrado em sedimentos de rio em SP pode delimitar Antropoceno. Recuperado de https://jornal.usp.br/ciencias/cesio-137-encontrado-em-sedimentos-de-rio-em-sp-pode-delimitar-antropoceno/

Waters, C. N., Zalasiewicz, J., Summerhayes, C., Barnosky, A. D., Poirier, C., Gałuszka, A., ... & Jeandel, C. (2016). The Anthropocene is functionally and stratigraphically distinct from the Holocene. Science, 351(6269), aad2622. https://doi.org/10.1126/science.aad2622

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